Membros do Blog Filhos da Misericórdia...participe também!

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Imaculada



A Imaculada Conceição

Reza o dogma católico que a Bem-aventurada Virgem Maria, desde o primeiro instante de sua conceição, foi preservada da nódoa do pecado original, por privilégio único de Deus e aplicação dos merecimentos de seu divino Filho.

O dogma abrange dois pontos importantes:

a) O primeiro é ter sido a Santíssima Virgem preservada da mancha original desde o princípio de sua conceição. Deus abrogou para ela a lei de propagação do pecado original na raça de Adão; ou por outra, Maria foi cumulada, ainda no começo da vida, com os dons da graça santificante.

b) No segundo, vê-se que tal privilégio não era devido por direito. Foi concedido na previsão dos merecimentos de Jesus Cristo. O que valeu a Maria este favor peculiar foram os benefícios da Redenção, na previsão dos méritos de Jesus Cristo, que já existiam nos eternos desígnios de Deus.

Como se dá a transmissão do Pecado Original

Primeiramente, é necessário esclarecer em que consiste a transmissão do "Pecado Original". A lei geral: "Todos os homens pecaram num só" é o grande argumento dos protestantes contra a "Imaculada Conceição". Tal lei é certa e, segundo vamos demonstrar, não encontra a mínima contradição com o dogma católico.

S. Francisco de Sales, no seu "Tratado do amor de Deus", exprime essa verdade de um modo singelo e glorioso! "A torrente da iniqüidade original veio lançar as suas ondas impuras sobre a conceição da Virgem Sagrada, com a mesma impetuosidade que sobre a dos demais filhos de Adão; mas chegando ali, as vagas do pecado não passaram além, mas se detiveram, como outrora o Jordão no tempo de Josué, aqui respeitando a arca da aliança a torrente parou; lá em atenção ao Tabernáculo da verdadeira aliança, que é a Virgem Maria, o pecado original se deteve."

Os protestantes deveriam compreender a diferença essencial que há entre "pecar em Adão" e "pecar pessoalmente", como são coisas bem distintas pertencer a uma raça pecadora e ser pecador.

De que modo, afinal, contraímos nós o pecado original?

Tal transmissão não se pode fazer pela "criação" da alma; afirmar isso seria dizer que Deus é o autor do pecado, o que é impossível e repugna. Não se transmite tão pouco pelos pais, pois a alma dos filhos não se origina das almas dos pais, mas é criada por Deus. A transmissão se efetua pela "geração".

A alma é criada por Deus no estado de inocência perfeita, mas contrai a "mácula", unindo-se a um corpo formado de um gérmen corrompido, do mesmo modo que ela sofreria, se fosse unida a um corpo ferido. É a opinião de Santo Tomás.

Santo Agostinho diz a propósito: "Apesar de nascerem de pais batizados, os filhos vêm à luz com o pecado original, como do trigo inutilizado germina uma espiga, em que o grão é misturado com a palha."

Nesse mistério do nascimento de uma criança, pelo exposto, opera-se uma dupla conceição: a da alma e a do corpo. Foi nesse momento quase imperceptível que Deus preservou do pecado original a "pessoa" de Maria Santíssima. Criou sua alma, como criou as nossas. Os progenitores de Nossa Senhora formaram-lhe o corpo, como nossos pais formaram o nosso. Até aqui tudo é natural; o milagre da preservação limita-se ao instante em que o Criador uniu a alma ao corpo.

Desta união devia resultar a "transmissão do pecado". Deus fez parar o curso desta transmissão, de modo que nela a união se operou, como se tinha realizado na pessoa de Adão, quando Deus, depois de ter feito o corpo do primeiro homem, soprou nele o espírito, constituindo-o na perfeição da inocência e justiça original.

Maria é uma segunda Eva... mas Eva antes de sua queda! Tal é a sublime doutrina da Igreja de Cristo.

A Exceção à Lei Geral

Seria possível objetar-se que Deus não tem poder para derrogar as leis gerais por Ele mesmo estabelecidas?

Seria negar a onipotência divina e fixar limites Àquele que não os tem.

É uma lei geral que "todos pecaram num só". Tal fato é universal, e todas as criaturas a ele estão subordinadas. Todavia, nada impede que, antes de efetuar-se a união da alma com o corpo, Deus possa intervir e suspender "um dos seus efeitos", o qual é, precisamente, a transmissão desse "pecado original".

A Sagrada Escritura está repleta dessas derrogações de leis gerais. O movimento do sol e da lua está matematicamente fixado pela lei da natureza; entretanto, Josué não hesitou em fazê-lo parar: "Sol detem-te em Gibeon, e tu, lua, no vale de Hadjalon. E o sol deteve-se e a lua parou" (Jos. 10, 12-13).

É uma lei que as águas sigam a correnteza do seu curso. Entretanto, "Moisés estendeu a mão..." o mar deixou livre o seu leito, partiram-se as águas, com um muro à sua esquerda e à sua direita (Exod. 14, 21 e 22).

É uma lei que o um morto fique morto até à ressureição geral; entretanto, o próprio Cristo-Deus, diante do cadáver de Lázaro, já em putrefação, exclamou: "Lázaro, sai!" (Jo 11, 43 e 41). E imediatamente aquele que estava morto saiu vivo.

Que prova isso, demonstra que "para Deus nada é impossível" (Lc 18, 27).

Será, então, que os protestantes acham impossível que Deus preserve Maria Santíssima do Pecado Original?

Se a lei geral fosse superior ao poder de Deus, como ficaria o Homem-Deus? Ele, em sua natureza humana, foi preservado do pecado original, mesmo nascendo de uma mulher. Se fosse impossível a Deus manter Imaculada a sua Mãe, também seria impossível manter "imaculado" o Seu Filho único, que nasceu verdadeiro Homem e verdadeiro Deus.

Provas na Sagrada Escritura:

Depois da queda do pecado original, Deus falou ao demônio, oculto sob a forma de serpente: "Ei de por inimizade entre ti e a mulher, entre sua raça (semente) e a tua; ela te esmagará a cabeça" (Gen 3, 15). Basta um pouco de boa-vontade para compreender de que "mulher" o texto fala. A única mulher "cheia de graça", "bendita entre todas", na qual a "semente" ou (raça) foi Nosso Senhor Jesus Cristo (e os cristãos), é a Santíssima Virgem, a nova Eva, mãe do Novo Adão. Conforme esse texto, há uma luta entre dois antagonistas: de um lado, está uma mulher com o filho; do outro, o demônio. Quem há de ganhar a vitória são aqueles e não estes. Ora, se Nossa Senhora não fosse imaculada, essa inimizade não seria inteira e a vitória não seria total, pois Maria Santíssima teria sido, pelo menos em parte, sujeita ao poder do demônio através do Pecado Original. Em outras palavras, a inimizade entre a mulher (e sua posteridade) e a serpente, implica, necessariamente, que Nosso Senhor e Nossa Senhora não poderiam ter sido manchados pelo pecado original.

Na saudação angélica, quando S. Gabriel diz: "Ave, cheia de graça. O Senhor é convosco". Ora, não se exprimiria desta maneira o anjo e nem haveria plenitude de graça, se Nossa Senhora tivesse o pecado original, visto o homem ter perdido a graça após o pecado.

A maneira da saudação angélica transparece a grandeza de Nossa Senhora, pois o Anjo a saúda com a "Ave, Cheia de Graça". Ele troca o nome "Maria" pela qualidade "Cheia de Graça", como Deus desejou chamá-la.

Ao mesmo tempo, a afirmação "o Senhor é convosco" abrange uma verdade luminosa. Se Nosso Senhor é (está) com Nossa Senhora antes da encarnação ("é convosco"). Sendo palavras anteriores à encarnação do verbo no seio da Virgem Maria, forçoso é reconhecer que onde está Deus não está o pecado. Ou seja, Nossa Senhora não tinha o "pecado original".

Prossegue o arcanjo: Não temas, Maria, pois "achaste graça diante de Deus". Aqui termina a revelação da Imaculada Conceição para começar a da maternidade divina: "Eis que conceberás no teu ventre e darás à luz um filho, e por-lhe-ás o nome de Jesus". (Lc 1, 28).

Pela simples leitura percebe-se a conexão estreita entre duas verdades: "Maria será a mãe de Jesus, porque achou graça diante de Deus".

Mas, que graça Nossa Senhora achou diante de Deus para poder ser escolhida como a Mãe Dele? Ora, a única graça que não existia - ou que estava "perdida" - era a "graça original". Falar, pois, que: "Maria achou graça" é dizer que achou a "graça original". Ora, a "graça original" é a "Imaculada Conceição"!

Os evangelhos sinóticos deixam claro que a palavra "Cheia de Graça", em grego: "Kecharitoménê", particípio passado de "charitóô", de "Cháris", é empregado na Sagrada Escritura para designar a graça em seu sentido pleno, e não no sentido corrente. A tradução literal seria: "omnino Plena Caelesti gratia" ou "Ominino gratiosa reddita": "Cheia de graça".

Ou seja, a tradução do latim: "gratia plena" é mais perfeita do que a palavra portuguesa: "cheia de graça". Nossa Senhora não apenas "encontrou graça", mas estava "plena" de Graça. Corroborando o que disse o Arcanjo logo em seguida: "O Senhor é contigo".

Falando à Santíssima Virgem que Ela "achara graça", o Arcanjo diz: Maria, sois imaculada, e, por isto, sereis a Mãe de Jesus Cristo.

Também é pela própria razão que se pode concluir a Imaculada Conceição. É claro que o argumento racional não é definitivo, mas corroborou com muita conveniência - e completa harmonia - para com ele. Se Maria Santíssima fosse manchada do pecado original, essa mancha redundaria em menor glória para seu filho, que ficou nove meses no ventre de uma mulher que teria sido concebida na vergonha daquele pecado. Se qualquer mácula houvesse na formação de Maria Santíssima, teria havido igualmente na formação de Jesus, pois o filho é formado do sangue materno.

S. Paulo assim se expressa sobre o ventre de onde nasceu o menino-Deus: "Cristo, porém, apareceu como um pontífice dos bens futuros. Entrou no tabernáculo mais excelente e perfeito, não construído por mãos humanas, nem mesmo deste mundo" (Hebr 9, 12).

Que tabernáculo é esse, "não construído por mãos humanas", por onde "entrou" Nosso Senhor Jesus Cristo? Fica claro o milagre operado em Nossa Senhora na previsão dos méritos de seu divino Filho. Negar que Deus pudesse realizar tal milagre (Imaculada Conceição) seria duvidar de sua onipotência. Negar que Ele desejaria fazer tal milagre seria menosprezar seu amor filial, pois, como afirma S. Paulo: Deus construiu o seu "tabernáculo" que não foi "construído por mãos humanas".

Ora, este tabernáculo, feito imediatamente por Deus e para Deus, devia revestir-se de toda a beleza e pureza que o próprio Deus teria podido outorgar a uma criatura.

E esta pureza perfeita e ideal se denomina: a Imaculada Conceição.

Agora examinemos a Tradição, desde os primeiros séculos:

S. Tiago Menor, o qual realizou o esquema da liturgia da Santa Missa, prescreve a seguinte leitura, após ler uns passos do antigo e do novo testamento, e de umas orações: "Fazemos memória de nossa Santíssima, Imaculada, e gloriosíssima Senhora Maria, Mãe de Deus e sempre Virgem".

O santo Apóstolo não se limita a isso, mas torna a sua fé mais expressiva ainda. Após a consagração e umas preces, ele faz dizer ao Celebrante: "Prestemos homenagem, principalmente, a Nossa Senhora, a Santíssima, Imaculada, abençoada acima de todas as criaturas, a gloriosíssima Mãe de Deus, sempre Virgem Maria. E os cantores respondem: É verdadeiramente digno que nós vos proclamemos bem-aventurada e em toda linha irrepreensível, Mãe de Nosso Deus, mais digna que os querubins, mais digna de glória que os serafins; a vós que destes à luz o Verbo divino, sem perder a vossa integridade perfeita, nós glorificamos como Mãe de Deus" (S. jacob in Liturgia sua).

O evangelista S. Marcos, na Liturgia que deixou às igrejas do Egito, serve-se de expressões semelhantes: "Lembremo-nos, sobretudo, da Santíssima, intemerata e bendita Senhora Nossa, a Mãe de Deus e sempre Virgem Maria".

Na Liturgia dos etíopes, de autor desconhecido, mas cuja composição data do primeiro século, encontramos diversas menções explícitas da Imaculada Conceição. Umas das suas orações começa nestes termos: Alegrai-vos, Rainha, verdadeiramente Imaculada, alegrai-vos, glória de nossos pais. Mais adiante, é pela intercessão da Imaculada Virgem Maria que o Sacerdote invoca a Deus em favor dos fiéis: "Pelas preces e a intercessão que faz em nosso favor Nossa Senhora, a Santa e Imaculada Virgem Maria.".

Terminamos o primeiro século com as palavras de Santo André, apóstolo, expondo a doutrina cristã ao procônsul Egeu, passagem que figura nas atas do martírio do mesmo santo, e data do primeiro século: "Tendo sido o primeiro homem formado de uma terra imaculada, era necessário que o homem perfeito nascesse de uma Virgem igualmente imaculada, para que o Filho de Deus, que antes formara o homem, reparasse a vida eterna que os homens tinham perdido" (Cartas dos Padres de Acaia).

A doutrina da Imaculada Conceição era, pois, conhecida no primeiro século e por todos admitida. A esse respeito, nenhuma contradição se levantou na primitiva Igreja.

No século segundo, os escritos dos Santos Padres falam da Imaculada Conceição como um fato indiscutível. Entre os escritores e oradores deste século, contamos: S. Jusitino, apologista e mártir; Tertuliano e Santo Irineu.

No terceiro século, existem também textos claros em defesa da Imaculada Conceição. mas em menor quantidade.

Santo Hipólito, bispo de Porto e mártir, escreveu em 220: "O Cristo foi concebido e tomou o seu crescimento de Maria, a Mãe de Deus toda pura". Mais além ele diz: "Como o Salvador do mundo tinha decretado salvar o gênero humano, nasceu da Imaculada Virgem Maria".

Orígenes, que viveu em 226 e pareceu resumir a doutrina e as tradições de sua época, escreveu: "Maria, a Virgem-Mãe do Filho único de Deus, é proclamada a digna Mãe deste digno Filho, a Mãe Imaculada do Santo e Imaculado, sendo ela única, como único é o seu próprio Filho."

Em um dos seus sermões sobre S. José, Orígenes faz o mensageiro celeste dizer ao santo: "Este menino não precisa de Pai na terra, porque tem um pai incorruptível no céu; não precisa de Mãe no Céu, porque tem uma Mãe Imaculada e casta na terra, a Virgem Bem-aventurada, Maria".

No século quarto, aparecem inúmeros escritos sobre a Imaculada Conceição, cada vez mais explícitos e em maior número. Temos diante de nós as figuras incomparáveis de Santo Atanásio, de Santo Efrem, de S. Basílio Magno, de Santo Epifânio, e muitos outros, que constituem a plêiade gloriosa dos grandes Apóstolos do culto da Virgem Santíssima e, de modo particular, de sua Imaculada Conceição.

Um trecho de Lutero, para mostrar que nem ele se atreveu a contestar a Imaculada Conceição: "Era justo e conveniente, diz ele, fosse a pessoa de Maria preservada do pecado original, visto o filho de Deus tomar dela a carne que devia vencer todo pecado". (Lut. in postil. maj.).

Para terminar, transcreveremos um pequeno soneto.

Em 1823, dois sacerdotes dominicanos, Pes. Bassiti e Pignataro, estavam exorcizando um menino possesso, de 12 anos de idade, analfabeto. Para humilhar o demônio, obrigaram-no, em nome de Deus, a demonstrar a veracidade da Imaculada Conceição de Maria. Para surpresa dos sacerdotes, pela boca do menino possesso, o demônio compôs o seguinte soneto:

"Sou verdadeira mãe de um Deus que é filho,
E sou sua filha, ainda ao ser-lhe mãe;
Ele de eterno existe e é meu filho,
E eu nasci no tempo e sou sua mãe.

Ele é meu Criador e é meu filho,
E eu sou sua criatura e sua mãe;
Foi divinal prodígio ser meu filho
Um Deus eterno e ter a mim por mãe.

O ser da mãe é quase o ser do filho,
Visto que o filho deu o ser à mãe
E foi a mãe que deu o ser ao filho;

Se, pois, do filho teve o ser a mãe,
Ou há de se dizer manchado o filho
Ou se dirá Imaculada a mãe.

Conta-se que o Papa Pio IX chorou, ao ler esse soneto que contém um profundíssimo argumento de razão em favor da Imaculada.

Nossa Senhora foi a restauradora da ordem perdida por meio de Eva. Eva nos trouxe a morte, Maria nos dá a vida. O que Eva perdeu por orgulho, Nossa Senhora ganhou por humildade.

O Dogma da Imaculada Conceição foi proclamado pelo Papa Pio IX, cercado de 53 cardeais, de 43 arcebispos, de 100 bispos e mais de 50.000 romeiros vindos de todas as partes do mundo, no dia 8 de dezembro de 1854.

Passados apenas 3 anos dessa solene proclamação, em 11 de agosto de 1858, Nossa Senhora dignou-se aparecer milagrosamente quinze dias seguidos, perto da pequena cidade de Lourdes, na França, a uma pobre menina, de 13 anos de idade, chamada Bernadete.

No dia 25 de março, Bernadete suplicou que Nossa Senhora lhe revelasse seu nome. Após três pedidos seguidos, Nossa Senhora lhe respondeu: "Eu sou a Imaculada Conceição".

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Advento: Tempo de misericórdia e salvação




Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.




“OSTENDE NOBIS, DOMINE, MISERICORDIAM TUAM ET SALUTARE TUUM DA NOBIS” (Cf. Ps 84,8).

“Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia, e dai-nos a vossa salvação!”. (CF. Sl 85,8).

Com esta invocação, iniciamos o tempo oportuno do Advento, no qual nos preparamos para a Chegada do Senhor na carne. O Rei do Universo é esperado como criança, como pobre, como frágil, como Aquele que vem na mais precária condição de ser.

O Advento é o tempo da esperança no sentido mais pleno da palavra. Sabemos perfeitamente o que é uma “sala de espera”; conhecemos a mãe que espera pelo filho antes de nascer e, por isso mesmo, sabemos que quem espera por algo, já o possui de certa forma.

Não se espera sem saber para quê. Esperar é, portanto, possuir embrionariamente o que se espera. Esperar pelo Natal é, pois, possuir o espírito do Natal antes mesmo de vivenciá-lo.

E o Advento nos proporciona esta experiência, esta metânoia interior: viver o espírito do Cristo em sua mais profunda intimidade, na grandiosidade enigmática de sua pequenez, no poder misterioso de sua fragilidade; é existencializar a Encarnação do Cristo em sua essência.

Encarna aquele que assume. Pois viver o Advento é encarnar a proximidade de Deus que se faz Emanuel por amor, unicamente por nosso amor. Não foi por causa do pecado, nos diz Duns Scotus, que Deus se encarnou, mas por Amor, por nosso amor.

Viver a espiritualidade da Encarnação é, portanto, aceitar – só aceitar – esta misericórdia infinita, de Deus por nós, tão grande quanto o próprio Deus, que nos ensina a sermos também, para nossos irmãos, inteiramente misericórdia; é descer, é condescender, é perder-se na pedagogia que nos convoca a assumir, a aceitar, a fazer, a ser a vontade de Deus com as nossas vidas.

O perigo se nos apresenta quando queremos não aceitá-la, não fazê-la, não sê-la; o pecado se instaura quando aceitamos a tentação de manipular a vontade de Deus com o nosso orgulho, seja pela imposição de nosso comportamento egoísta, centralizado em si mesmo, seja pela imposição de nossa vontade de poder que se confunde, muitas vezes, até mesmo com nossa oração.

Iniciamos o Advento do Ano Litúrgico(ano C) no qual leremos o Evangelho de São Lucas, o Evangelho da Misericórdia, da Parábola do Fariseu e do Publicano. Nada mais contrário ao espírito do Advento e do Natal que a atitude farisaica daquele homem que, no templo, de pé, pensava estar diante de Deus orando, mas que só se encontrava diante da DISTÂNCIA que o tornava diferente do publicano, ou seja, diante do seu orgulho. Não se relacionava senão consigo mesmo, não se dirigia senão aos seus poderes, ao seus carismas, á sua gnose que tudo filtrava.

CUR DEUS HOMO? O Advento nos ensina que nossa esperança deve ser contra toda a esperança farisaica, esperança de grandiosidade, de poder, de auto-satisfação, de orgulho, mas esperança de plenitude oculta, de fecundidade invisível que se manifestam por detrás de banalidade, da trivialidade, da repetição de nosso dia a dia; que se tornam presentes nos textos litúrgicos celebrados e vividos com unção e autenticidade, apontando para o Deus-criança que nasce na gruta de Belém, para assumir por amor, inteiramente por amor, a nossa condição.

Celebrar o Advento é assumir integralmente este mistério da misericórdia e da Salvação que Deus nos propõe por amor, é viver plena e “agostinianamente” a esperança, ou seja, a vida da vida enquanto peregrinamos na carne.

I Domingo do Advento – Homilia do Papa Bento XVI




Queridos irmãos e irmãs,


Com esta celebração vespertina, o Senhor nos dá a graça e a alegria de abrir o novo Ano Litúrgico iniciando da sua primeira etapa: o Advento, o período que faz memória davinda de Deus entre nós. Cada início trás consigo uma graça particular, porque bendiz ao Senhor.


Neste Advento nos será dado, mais uma vez, fazer experiência da proximidade Daquele que criou o mundo, que conduz a história e que cuida de nós chegando até a se fazer um de nós. Este mistério grande e fascinante do Deus conosco, também de Deus que se faz um de nós, celebraremos nas próximas semanas caminhando para o santo Natal. Durante o tempo do Advento sentiremos a Igreja que nos toma pela mão e, qual imagem de Maria Santíssima, expressa sua maternidade fazendo-nos experimentar a espera alegre da vinda do Senhor, que a todos nós envolve com seu amor que salva e consola.


Enquanto os nossos corações se propendem para a celebração anual do nascimento de Cristo, a liturgia da Igreja orienta o nosso olhar para a meta definitiva: ao encontro com o Senhor que virá no esplendor da glória. Por isso nós que, em cada Eucaristia, “anunciamos sua morte, proclamando sua ressurreição na espera de sua vinda”, vigiamos em oração. A liturgia não para de nos encorajar e de nos sustentar, colocando em nossos lábios, nos dias do Advento, o grito com o qual se fecha totalmente a Sagrada Escritura, na última página do Apocalipse de São João: “Vinde, Senhor Jesus!”(22, 20).




Queridos irmãos e irmãs, o nosso reunir nesta tarde para iniciar a caminhada do Advento se enriquece de um outro motivo importante: com toda a Igreja, queremos celebrar solenemente uma vigília pela vida nascente. Desejo exprimir meu agradecimento a todos aqueles que aderiram e àqueles que se dedicam de modo específico no acolhimento e proteção da vida humana nas diversas situações de fragilidade, particularmente em seu início e em seus primeiros passos.


É próprio do início do Ano Litúrgico nos fazer viver novamente a espera de Deus que se faz carne no ventre da Virgem Maria, de Deus que se faz pequeno, se torna criança; nos fala da vinda de um Deus próximo, que quis vivenciar a vida do homem, do início ao fim, para salvá-lo totalmente, plenamente. E assim o mistério da Encarnação do Senhor e o início da vida humana são intimamente e harmonicamente coligados entre eles dentro do único desejo salvífico de Deus, Senhor da vida de todos e de cada um. A Encarnação nos revela com intensa luz e de modo surpreendente que cada vida humana tem uma dignidade altíssima, incomparável.


O homem apresenta uma originalidade inconfundível em relação a todos os outros seres viventes que povoam a terra. Apresenta-se como sujeito único e singular, dotado de inteligência e vontade livre, também composto de realidade material. Vive simultaneamente e inseparavelmente na dimensão espiritual e na dimensão corpórea. Isso também é sugerido pelo texto da Primeira Leitura da Carta aos Tessalonicenses que foi proclamada: “O Deus da paz vos conceda santidade perfeita; e que o vosso ser inteiro, o espírito, a alma e o corpo sejam guardados de modo irrepreensível para o dia da Vinda de nosso Senhor Jesus Cristo,” (5, 23). Sejamos pois espírito, alma e corpo. Sejamos parte de nosso mundo, entregues à possibilidade e aos limites da condição material; ao mesmo tempo sejamos abertos sob um horizonte infinito, capaz de dialogar com Deus e tender a Ele, verdade, bondade e beleza absoluta. Saboreamos fragmentos de vida e de felicidade e anelamos à plenitude total;


Deus nos ama de modo profundo, total, sem distinção; nos chama à amizade com Ele; nos faz participantes de uma realidade acima de qualquer imaginação e de cada pensamento e palavra: a sua mesma vida divina. Com comoção e gratidão tomemos consciência do valor, da dignidade incomparável de cada pessoa humana e da grande responsabilidade que temos para com todos. “ Cristo, que é o novo Adão – afirma o Concílio Vaticano II, na mesma revelação do mistério do Pai e de seu amor, manifesta plenamente o homem ao próprio homem e lhe descobre sua altíssima vocação... Com sua encarnação o Filho de Deus se uniu de certo modo a cada homem” (Const. Gaudiu et Spes, 22).


Acreditar em Jesus Cristo comporta também ter um olhar novo sobre o homem, um olhar de confiança, de esperança. Além disso, a própria experiência e a reta razão mostram que o ser humano é um sujeito capaz de entender, de querer, autoconsciente e livre, único e insubstituível, ápice de todas as realidades terrenas, que deve ser reconhecido como um valor em si mesmo e merece ser sempre acolhido com respeito e amor. Ele tem o direito de não ser tratado como um objeto a ser possuído ou como algo que você pode manipular como quer, de não ser reduzido a um mero instrumento para o benefício de outros e de seus interesses. A pessoa é um bem em si mesmo e é necessário procurar sempre o seu desenvolvimento integral. O Amor pelo próximo, se é sincero, tende naturalmente a ter uma atenção preferencial pelos mais fracos e mais pobres. Nesta linha, se insere a solicitude da Igreja pela vida do nascituro, a mais frágil, a mais ameaçada pelo egoísmo dos adultos e pela escuridão da consciência. A Igreja continuamente reitera o que declarou o Concílio Vaticano II contra o aborto e todas as violações contra a vida dos nascituros: “A vida uma vez concebida deve ser protegida com o máximo cuidado” (ibid., n. 51).


Há tendências culturais que buscam anestesiar as consciências com subterfúgios. No que diz respeito ao embrião no útero materno, a ciência mesma coloca em vidência a autonomia capaz de interação com a mãe, a coordenação dos processos biológicos, a continuidade do desenvolvimento, a crescente complexidade do organismo. Não se trata de um acúmulo de material biológico, mas de um novo ser, dinâmico e maravilhosamente ordenado, um novo indivíduo da espécie humana. Assim foi Jesus no ventre de Maria; assim foi para cada um de nós no ventre da mãe. Com o antigo escritor cristão Tertuliano, podemos afirmar: “É já um homem aquele que o será” (Apologia, IX, 8); não há razão para não considerá-lo pessoa desde a sua concepção.


Infelizmente, mesmo após o nascimento, a vida das crianças continua a ser exposta ao abandono, à fome, à miséria, à doença, aos abusos, à violência, à exploração. As muitas violações dos seus direitos que são cometidas no mundo ferem gravemente a consciência de cada homem de boa vontade. Diante do triste panorama de injustiças cometidas contra a vida do homem, antes e após o nascimento, faço meu o apaixonado apelo do Papa João Paulo II à responsabilidade de todos e de cada um: “Respeite, proteja, ame e sirva a vida, cada vida humana! Somente nesta estrada você poderá encontrar justiça, desenvolvimento, liberdade verdadeira, paz e felicidade” (Encíclica Evangelium vitae, 5). Exorto os protagonistas da política, da economia, das comunicações sociais a fazerem tudo que está ao seu alcance para promover uma cultura que respeite sempre a vida humana, que proporcione condições favoráveis e redes de apoio ao acolhimento e ao desenvolvimento da mesma.


À Virgem Maria, que acolheu o Filho de Deus feito homem com a sua fé, com o seu ventre materno, com carinho, com o acompanhamento solidário e vibrante de amor, confiamos a oração e o compromisso em favor da vida nascente. Nós o fazemos na liturgia - que é o lugar onde vivemos a verdade e onde a verdade vive conosco - adorando a divina Eucaristia, na qual contemplamos o Corpo de Cristo, o Corpo que se encarnou em Maria por obra do Espírito Santo, e dela nasceu em Belém para a nossa salvação. Ave verum Corpus, natum de Maria Virgine!


Fonte: Rádio Vaticano