"Carregai os fardos uns dos outros; assim cumprireis a lei de Cristo" (Gl 6, 2).
Em toda a dinâmica comunitária, Cristo, em seu mistério pascal, permanece o modelo de como se constrói a unidade. O mandamento do amor mútuo tem, de fato, nele a fonte, o modelo e a medida: devemos amar-nos como Ele nos amou. E Ele nos amou até dar a vida. Nossa vida é participação na caridade de Cristo, em seu amor ao Pai e aos irmãos, um amor esquecido de si mesmo.
Mas tudo isso não é conforme à natureza do "homem velho" que deseja, sim, a comunhão e a unidade, mas não pretende nem está disposto a pagar o preço, em termos de esforço e de dedicação pessoal.
O caminho que vai do homem velho, que tende a fechar-se em si mesmo, ao homem novo, que se doa aos outros, é longo e cansativo.
Os santos fundadores insistiram realisticamente sobre as dificuldades e sobre as ciladas dessa passagem, conscientes como estavam de que a comunidade não se pode improvisar. Ela não é coisa espontânea nem realização que se consiga em breve tempo.
Para viver como irmãos e irmãs é necessário um verdadeiro caminho de libertação interior. Como Israel, libertado do Egito, tornou-se Povo de Deus depois de ter feito uma longa caminhada no deserto sob a guia de Moisés, assim a comunidade inserida na Igreja, povo de Deus, é construída por pessoas que Cristo libertou e fez capazes de amar de seu jeito, através do dom de seu Amor libertador e da aceitação cordial daqueles que Ele dá como seus guias.
O amor de Cristo, difundido em nossos corações, impele a amar os irmãos e as irmãs até o assumir suas fraquezas, seus problemas, suas dificuldades. Numa palavra: até a doar-nos a nós mesmos.
Cristo dá à pessoa duas fundamentais certezas: a de ser infinitamente amada e de poder amar sem limites. Nada como a cruz de Cristo pode dar, de modo pleno e definitivo, essas certezas e a liberdade que delas deriva.
Graças a elas, a pessoa consagrada se liberta progressivamente da necessidade de colocar-se no centro de tudo e de possuir o outro e do medo de doar-se aos irmãos; aprende, ao contrário, a amar como Cristo a amou, com aquele amor que agora é derramado em seu coração e a faz capaz de esquecer-se e de doar-se como fez seu Senhor.
Em virtude desse amor nasce a comunidade como um conjunto de pessoas livres e libertadas pela cruz de Cristo.
Esse caminho de libertação que conduz à plena comunhão e à liberdade dos filhos de Deus exige, porém, a coragem da renuncia a si mesmo na aceitação e no acolhimento do outro, a partir da autoridade.
Notou-se, em mais de um lugar, que isso constituiu um dos pontos mais fracos do período de renovação destes anos.
Aumentaram os conhecimentos, estudaram-se diversos aspectos da vida comum, mas cuidou-se menos do esforço ascético, necessário e insubstituível para qualquer libertação capaz de fazer de um grupo de pessoas uma fraternidade cristã.
A comunhão é um dom oferecido que exige também uma resposta, um paciente tirocínio e um combate para superar o espontaneismo e a instabilidade dos desejos. O altíssimo ideal comunitário comporta necessariamente a conversão de qualquer atitude que causasse obstáculo à comunhão.
A comunidade sem mística não tem alma, mas sem ascese não tem corpo. Exige-se «sinergia» (cooperação) entre o dom de Deus e o esforço pessoal para construir uma comunhão encarnada, isto é, para dar carne o consistência à graça e ao dom da comunhão fraterna.
É necessário admitir que esse assunto causa problema hoje, tanto junto aos jovens como junto aos adultos. Muitas vezes os jovens provêm de uma cultura que aprecia excessivamente a subjetividade e a busca da realização pessoal, enquanto os adultos ou estão ancorados em estruturas do passado ou vivem certo desencanto diante do «assembleismo» dos anos passados, fonte de verbalismo e de incerteza.
Se é verdade que a comunhão não existe sem a oblatividade de cada um, é necessário que se afastem desde o início as ilusões de que tudo deve vir dos outros; é necessário que se ajude a descobrir com gratidão quanto lá se recebeu e se está, de fato, recebendo dos outros.
É bom preparar os jovens, desde o início, para serem construtores e não somente consumidores da comunidade; para serem responsáveis um pelo crescimento do outro; para estarem abertos e disponíveis a receber um o dom do outro, capazes de ajudar e ser ajudados, de substituir e ser substituídos.
Uma vida comum, fraterna e partilhada, tem um natural fascínio sobre os jovens, mas depois o perseverar nas reais condições de vida pode se tornar um pesado fardo. A formação inicial deve, pois, levar a uma tomada de consciência dos sacrifícios exigidos pelo viver em comunidade, a uma sua aceitação em vista de um relacionamento alegre e verdadeiramente fraterno e a todas as outras atitudes típicas de um homem interiormente livre.
Quando alguém se perde pelos irmãos, se encontra a si mesmo.
É necessário, além disso, lembrar sempre que a realização dos religiosos e religiosas passa através de suas comunidades.
Quem procura viver uma vida independente, separada da comunidade, certamente não adentrou o caminho seguro da perfeição do próprio estado.
Quem procura viver uma vida independente, separada da comunidade, certamente não adentrou o caminho seguro da perfeição do próprio estado.
Enquanto a sociedade ocidental aplaude a pessoa independente que sabe realizar-se por si mesma, o individualista seguro de si mesmo, o Evangelho exige pessoas que, como o grão de trigo, sabem morrer a si mesmas para que renasça a vida fraterna.
Assim a comunidade se torna uma «Schola Amori » (escola de amor) para jovens e adultos, uma escola onde se aprende a amar a Deus, a amar os irmãos e as irmãs com quem se vive, a amar a humanidade necessitada da misericórdiasolidariedade fraterna.
O ideal comunitário não deve fazer esquecer que toda a realidade cristã se edifica sobre a fraqueza humana. A "comunidade ideal", perfeita, ainda não existe: a perfeita comunhão dos santos é meta na Jerusalém celeste.
O nosso é o tempo da edificação e da construção contínua: sempre é possível melhorar e caminhar juntos para a comunidade que sabe viver o perdão e o amor. As comunidades, na verdade, não podem evitar todos os conflitos. A unidade que devem construir é uma unidade que se estabelece a preço da reconciliação. A situação de imperfeição da comunidade não deve desencorajar.
As comunidades retomam cotidianamente o caminho, sustentadas pelo ensinamento dos Apóstolos: "amai-vos uns aos outros com afeto fraterno, rivalizando em estimar-vos mutuamente" (Rm 12, 10); "tende os mesmos sentimentos uns para com os outros" (Rm 12, 16); "acolhei-vos, por isso, uns aos outros como Cristo vos acolheu" (Rm 15, 7); "corrigivos um ao outro" (Rm 15, 14); "esperai uns pelos outros" (1 Cor 11, 33); "por meio da caridade estejais a serviço uns dos outros" (Gl 5, 13); "confortai-vos mutamente" (1 Ts 5, 11); "suportando-vos mutuamente com amor" (Ef 4,2); "sede, pelo contrário, benévolos uns para com os outros, misericordiosos, perdoando-vos mutuamente" (Ef 4, 32); "sede submissos uns aos outros no temor de Cristo" (Ef 5, 21); "orai uns pelos outros"(Tg 5, 16); "revesti-vos todos de humildade uns para com os outros" (1 Pd 5, 5); "estejamos em comunhão uns com os outros" ( 1 Jo 1, 7); "não nos cansemos a fazer o bem a todos, sobretudo aos nossos irmãos na fé" (Gl 6, 9-10).
Para favorecer a comunhão dos espíritos e dos corações daqueles que, são chamados a viver juntos numa comunidade, parece oportuno recordar la necessidade de cultivar as qualidades requeridas em todas as relações humanas: educação, gentileza, sinceridade, controle de si mesmo, delicadeza, senso de humorismo e espírito de partilha.
Os documentos do Magistério destes anos são ricos de sugestões e assinalações úteis para a convivência comunitária, como: a alegre simplicidade, a clareza e a confiança recíprocas, a capacidade de diálogo, a adesão sincera a uma benéfica disciplina comunitária.
Não se pode esquecer, enfim, que a paz e o gosto de estar juntos são um dos sinais do Reino de Deus. A alegria de viver, mesmo em meio às dificuldades do caminho humano e espiritual e aos aborrecimentos cotidianos, já faz parte do Reino.
Essa alegria é fruto do Espírito e envolve a simplicidade da existência e o tecido monótono do cotidiano. Uma fraternidade sem alegria é uma fraternidade que se apaga. Muito rapidamente os membros serão tentados a procurar em outros lugares o que não podem encontrar em casa.
Uma fraternidade rica de alegria é um verdadeiro dom do Alto aos irmãos que sabem pedi-lo e que sabem aceitar-se empenhando-se na vida fraterna com confiança na ação do Espírito.
Realizam-se assim as palavras do Salmo: "como é bom, como é agradável os irmãos morarem juntos… Aí o Senhor dá sua benção e a vida para sempre" (Sl 133, 1-3), "porque quando vivem juntos fraternalmente, reúnem-se na assembléia da Igreja, sentem-se concordes na caridade e num só querer".
Esse testemunho de alegria constitui uma grandíssima atração para a vida religiosa, uma fonte de novas vocações e um sustentáculo para a perseverança. É muito importante cultivar essa alegria na comunidade religiosa: a sobrecarga de trabalho pode apagá-la, o zelo excessivo por algumas causas pode fazê-la cair no esquecimento, o contínuo interrogar-se sobre a própria identidade e sobre o próprio futuro pode ofuscá-la.
Mas o saber fazer festa juntos, o conceder-se momentos de distensão pessoal e comunitária, o tomar distância de quando em quando do próprio trabalho, o alegrar-se nas alegrias do irmão, a atenção solícita às necessidades dos irmãos e irmãs, o empenho confiante no trabalho apostólico, o afrontar com misericórdia as situações, o ir ao encontro do amanhã com a esperança de encontrar sempre, e em qualquer caso, o Senhor: tudo isso alimenta a serenidade, a paz, a alegria. E se torna força na ação apostólica.
A alegria é um esplêndido testemunho do caráter evangélico de uma comunidade religiosa, ponto de chegada de um caminho não isento de tribulação, mas possível, porque sustentado pela oração: "Alegres na esperança, fortes na tribulação, perseverantes na oração" (Rm 12, 12).
Dedicado a todos os que vivem em comunidade, especialmente meus irmãos e irmãos,Filhos e filhas da Misericórdia, companheiros meus de caminhada rumo ao céu...a vocês minha gratidão...
Dedicado a todos os que vivem em comunidade, especialmente meus irmãos e irmãos,Filhos e filhas da Misericórdia, companheiros meus de caminhada rumo ao céu...a vocês minha gratidão...
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