Silenciar para escutar, escutar para poder amar
Nada mais gostoso do que a brisa num entardecer de verão, as vozes de animais, as cores perfeitas do poente, o perfume das florações, o sabor daquilo que é posto à mesa. Tudo nos faz bem e enche-nos de sentido. A vida ganha espaço.
No entanto, há de se reconhecer que nossa cultura nos bombardeia e estimula além da medida. Em vez de repouso, somos agitados e provocados a um prazer agressivo, sem alegria e felicidade. Parece que gostar de sossego é excentricidade: ficar sossegado é muito perigoso, pode parecer doença.
Tanto conhecimento produzido e ainda não nos demos conta, enquanto sociedade e como pessoas detentoras de saber, de que o prazer dos sentidos só existe na justa medida. No cotidiano de nossa vida pessoal e social, temos as experiências que nos provam esta verdade: se come e se bebe em excesso, o perfume é muito forte, o ruído ultrapassa a quota dos decibéis, o tocar se extrema, aí então, o prazer transforma-se em desprazer, a delícia em desgosto. Nada se aproveita, tudo se liquefaz.
Uma das janelas da alma é o escutar. Escutar é diferente de ouvir. Neste momento estou ouvindo muitos e diferentes barulhos, mas não estou escutando nada. O ouvir está ligado diretamente ao sentido da audição. Entender, perceber pelo sentido do ouvido, faz parte de nosso instinto da sobrevivência, das ferramentas que nos possibilitam continuar vivos.
Escutar, por sua vez, significa prestar atenção para ouvir; dar atenção a; ouvir, sentir, perceber…” ou ainda: “tornar-se ou estar atento”. Temos aí, diferentemente de ouvir, um escutar que nos aproxima e nos completa, nos garante a vida, nos faz diferentes, pois escutar é transformador. Se é verdade que a vida tem sentido na emoção de amar alguém, então é bem verdade que ao escutar uma pessoa, ou ter a experiência de ser escutado, fazemos a vital experiência de ser amado e de amar.
A mãe quando escuta o filho com seus conflitos está oportunizando crescimento através desse gesto amoroso; o médico, ao escutar o paciente que, sem pressa e sem conceitos de medicina, apresenta seu jeito de se diagnosticar, já está possibilitando o início do processo de cura; o amigo que atenciosamente escuta, sem nenhuma necessidade de oferecer resposta pronta, apenas escuta porque ama, sabe ser um porto seguro para as tempestades internas do seu querido amigo; o religioso que, humildemente, oferece, de forma paciente, seu “escutar” àquele que já está sem esperança, recupera vidas. E assim, tantos outros “escutadores de almas e corações” que salvam, libertam e curam, muitas vezes sem saber que fazem tudo isso apenas por possuírem a arte de escutar bem. Saber escutar alguém é obra de Deus. Quem sabe, nos dias atuais, precisamos mais de “escutátoria” do que oratória.
Silenciar para escutar, escutar para o outro sentir-se amado
Escutar, antes de tudo, é uma maneira de deixar o outro crescer: no momento em que é escutado, sente-se acolhido e amado. E, que mais uma pessoa deseja além de ser acolhido e amado por alguém? Parafraseando Rubem Alves, “é preciso saber escutar… deixar o outro entrar dentro da gente”. A maravilha de acolher o outro em sua totalidade: existe forma mais verdadeira de amar? A medida de amor que oferecemos pode ser expressa no tempo que guardamos aquilo que nos foi confiado, segredado ao pé do ouvido: amo você na medida em que permito que faça morada em meu coração. Escutar é garantir abrigo a quem, por não receber atenção e amor, perambula ao relento.
Escutar é um exercício que ensina amar, escutar o silêncio de quem se aproxima; escutar o seu estar presente e as dores que o fazem ausentar-se da beleza da vida; também escutar o seu calar, revelador de sua alma. Escutar não se reduz a identificar palavras e compreender histórias: é também decifrar os silêncios de uma presença que reclama maior atenção de nossa parte. Escutar as vozes emudecidas que, sem força, ousam ecoar pedindo ajuda para continuar a viver com dignidade.
Escutar é devolver a luz para aqueles que estão mergulhados nos ruídos que, aos poucos, vão escurecendo seus sonhos. Escutar é cuidar de um coração, de uma vida, garantir que a história poderá ter continuidade. Escutar é deixar que o outro também exista.
Façamos o exercício de silenciar dentro de nós para escutar com amor. Lya Luft soube pedir: “me dêem isso: um pouco de silêncio bom para que eu escute o vento nas folhas, a chuva nas lajes, e tudo o que fala muito além das palavras e todos os textos e da música de todos os sentimentos”. Se assim for, começaremos a escutar coisas que não ouvíamos. Cessando os ruídos, ouviremos o que é realmente belo. No escutar o outro, garantimos que a beleza mora nele. E poderemos saborear a comunhão com que sonhamos, que existe somente quando a beleza do outro e a beleza da gente se liga, ou melhor, se deixa escutar.
Quem sabe, descobriremos que Deus é a beleza que se escuta no silêncio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário