Da Idade Média conta-se esta história:
“Uma viúva tinha um filho único a quem queria muito. Sabendo que ele havia sido feito prisioneiro pelos inimigos, acorrentado e posto na prisão, ela ficou profundamente triste e, dirigindo-se a Nossa Senhora, por quem tinha devoção especial, pediu-lhe com insistência liberdade para seu filho.
Passou-se um tempo e ela não viu o fruto de suas preces. Dirigiu-se, então, a uma imagem de Maria, na igreja. Ali ela disse: ´Santa Virgem, eu Vos supliquei a liberdade de meu filho e Vós não quisestes vir em socorro dessa mãe infeliz. Implorei vossa proteção para meu filho e me recusastes. Assim como meu filho foi levado, levarei o vosso e o guardarei como refém´.
Dizendo isso, aproximou-se, tomou a imagem do Menino do colo da Virgem, levou-a para casa, envolveu-a em linho sem mancha e, colocando-a num cofre, fechou-a à chave, contente por ter um tão bom refém como garantia da volta de seu filho.
Na noite seguinte, Nossa Senhora apareceu ao rapaz, abriu-lhe a porta da prisão e lhe disse: - Dize à tua mãe, meu rapaz, que ela entregue meu filho, agora que eu entreguei o dela.
O rapaz foi encontrar-se com sua mãe, e relatou-lhe a miraculosa libertação. A mãe, radiante de alegria, apressou-se a entregar o Menino Jesus a Nossa Senhora. – Eu Vos agradeço, Celestial Senhora, por me restituirdes o filho; em troca, restituo o vosso”.
Alguém poderá perguntar se o fato é verídico. Eu diria que não importa que o fato seja verídico, o importante é que ele seja possível.
O importante é saber se, de acordo com o que a doutrina católica nos ensina sobre Nossa Senhora e sobre as relações especiais de uma mãe com seu filho aqui na Terra, esse fato poder-se-ia ter passado.
Isso nos fala a respeito de Nossa Senhora. Ensina-nos, então, a verdadeira disposição de nossa alma perante Ela.
Trata-se de um caso que ensina uma extraordinária confiança em Nossa Senhora, uma extraordinária liberdade de ação em relação a Ela.
Vamos dizer assim: se o fato foi verdadeiro, a gente pode dizer que Nossa Senhora quis retardar a libertação do rapaz para provocar a mãe a tomar essa santa liberdade em relação a Ela. E desta maneira mostrar como quer ser tratada por nós.
É preciso distinguir aqui o caso originário do que poderia ser a caricatura dele. Essa mãe, segundo o caso, não tomou o Menino Jesus como represália.
Não foi uma vingança. Seria uma blasfêmia, caso ela tivesse dito: “Já que meu filho está sofrendo, eu vou fazer sofrer o seu!” Isso seria uma vingança, seria uma blasfêmia. Mas ela o tomou propriamente como refém.
O que era um refém na Idade Média? Era uma pessoa que era dada como garantia de alguma coisa. Por exemplo, havia um tratado entre dois reis.
O rei vencido dava o seu filho como refém, como garantia do cumprimento das cláusulas do tratado. Quando o tratado fosse cumprido, o filho do rei era solto.
Se o tratado não fosse cumprido, o filho do rei podia passar – conforme as cláusulas – duras penas, eventualmente a pena de morte.
Mas enquanto o tratado não era violado, o refém – por exemplo, no caso de dois reis – ficava na Corte do rei vencedor; ele fazia parte do cerimonial, tomava parte nos banquetes, nas cerimônias de protocolo entre os outros príncipes da Casa Real; ele viajava, era objeto de homenagens nas cidades onde passava, adquiria bens, às vezes até se casava.
De maneira que o refém não era um prisioneiro no sentido moderno da palavra, mas era o indivíduo que representa apenas uma garantia, que não era tratado como inimigo, mas apenas como um homem que estava garantindo algo, e, portanto, como um hóspede de eleição, como um hóspede distinto.
Então, foi o que ela fez com o Menino Jesus. Ela tirou a imagem do Menino Jesus que estava no colo da imagem de Nossa Senhora, e envolveu-a num pano muito limpo.
E trancou no cofre, que é o lugar onde se guardam as coisas preciosas. Ela teria agido, talvez, de modo ainda mais poético se a tivesse guardado no meio de flores. Mas, prisão por prisão, refém era no cofre. Nossa Senhora sorriu diante dessa candura.
Nossa Senhora viu que essa mulher confiava na misericórdia dEla enormemente, a ponto de compreender que se tomasse a imagem do Menino Jesus com essa liberdade.
Então, coroou o fato por um ato de uma liberalidade, um ato de doçura, de uma suavidade extraordinária. Ela se aproximou da prisão, libertou o rapaz e mandou esse recado: “Vá dizer à sua mãe que libertei o filho dela. Agora, ela liberte o Meu Filho”.
Quer dizer, colocando-se risonhamente, amavelmente, de igual para igual, numa atitude de afabilidade que nos indica a incomensurável bondade de Nossa Senhora.
Eu volto a dizer: não me interessa saber se o caso é verídico. O que importa é saber que, segundo a doutrina católica, ele podia ter-se dado. O que quer dizer que nós devemos também agir, com Nossa Senhora, dessa maneira: com muita liberdade, com muito respeito, com muito desembaraço, confiando na misericórdia d’Ela, que nossa Mãe e quer que, como filhos, nos aproximemos d'Ela sem medo algum.
Santa Teresa de Jesus, fazendo uma viagem, passou sobre uma pinguela, que é uma ponte feita por uma só árvore e que se lança, em geral, sobre o abismo.
Portanto, perigoso, porque a forma da árvore é arredondada, cilíndrica. É preciso saber atravessar bem. E quando ela passava pela pinguela – esse fato é histórico, se narra nas suas biografias – ela derrapou e foi caindo para o abismo.
Quando ela ia caindo, Nosso Senhor apareceu-lhe e sustentou-a. Ela então perguntou: “Meu Senhor, por que consentistes que eu escorregasse?” Quer dizer, que eu tomasse esse susto? Os senhores estão vendo a liberdade! Nosso Senhor deu a resposta: “Assim eu trato meus amigos”. Ela respondeu: “Por isso tendes tão poucos!”
Ela está disposta a receber tudo de Nosso Senhor. E morreu dardejada por um dardo de amor a Deus, algum tempo depois de ter o coração transverberado por um serafim. Ela morreu, portanto, de algum modo vítima de amor, mas, por assim dizer, gracejando com Deus, dizendo para Deus coisas amáveis.
O que mostra bem que entre Deus e nós há uma distância infinita; que entre Nossa Senhora e nós há uma distância incomensurável, mas Deus e Maria não ficam presos a esta distancia, mas Eles vem ao nosso encontro e desejam ter conosco um trato de Amor.
E isto é um Mistério que somente o Amor de Deus é capaz de fazer. Vir ao encontro de Sua Criatura débil e imperfeita por Amor, e desejar ter comunhão com ela. Ah ! Misericórdia do nosso Deus, e de nossa Mãe.
Na mais pura tradição do Carmelo, Santa Teresa de Lisieux tinha grande devoção à Santíssima Virgem. Para Teresa, Maria era" mais mãe que rainha" dizia.
Não gostava que lhe falasse de Maria num trono, inacessível aos pobres. A sua primeira poesia dedicada a Maria tem como título: "Porque te amo Maria".
É uma síntese dos primeiros capítulos de São Lucas: a sua pobreza, o seu silêncio contemplativo, a sua simplicidade, a sua fé, a sua disponibilidade, o seu sim. Era nessa Maria que ela se revia e que ele amava.
Ele dizia simplismente:
" A Santíssima Virgem teve menos que nós, porque não teve uma Santíssima Virgem para amar!"
Então, como filhinhos amados corramos para os braços de nossa Mãezinha!
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